levante

textos sem sentido e outros

sexta-feira, outubro 31, 2003

O estruturalismo tem destas coisas, julgarmos-nos fechados numa gaiola de onde só podemos vislumbrar temerariamente o vigilante que nos cerca. A loucura, afinal, é não sabermos controlar a razão e pensarmos que a controlamos.
É por estas e por outras que nem sempre a filosofia faz bem ao outono.
Há muito que não escrevia para o vazio. Bem, de acordo com o "sitemeter", o meu vazio tem uma média de 6 visitas por dia. Chega-me, não sou ambicioso e tento não me guiar por protagonismos. Mas depois pergunto-me: "para quê? Porquê esta necessidade de actualização?" Angústia de vazio, talvez, cansaço de estar calado.

sexta-feira, outubro 17, 2003

Do tempo

O que mais gosto em Lisboa é a saída, a ponte, o rio. Só ao sair pousei o jornal sobre as pernas, debruçando os olhos pelas janelas do autocarro, como que sentindo o apelo de uma imagem sempre diferente e generosa. A brasileira nordestina lançou um olhar de soslaio, talvez perscrutando no meu rosto algum problema. Quanto muito melancolia e vício fotográfico, pensei eu na altura, tentando autojustificar o olhar fixo no azul abafado de fim de tarde que não deixava ver a outra margem.
Contemplava.
E de repente, que é como todas as coisas belas acontecem, não era já eu perdido e triste com a incerteza da vida, não era já eu num veículo cujo murmúrio mecânico se misturava com a música de fundo de uma qualquer estação de rádio. De repente não pude conter um breve e tresloucado sorriso, era eu leve e calmo a vogar sobre as águas do Tejo.
(Algumas horas antes, noutra viagem, a conversa passou pelos infinitos humanos e os deuses da carne. Mas para comprender não é preciso conceitos e muito menos sistemas fiósóficos. Bastava ver a margem que agora se impunha ao nevoeiro, a terra que dava sentido à ponte, o hábito de acreditarmos que as pequenas coisas humanas têm sentido.)
Suponho ter olhado para o lado a retribuir o soslaio. Comprendera o gesto silencioso. Também ela vogava, também ela sorria.
...continuando (para já apenas na questão da democracia e liberdade)
Antes de mais parece-me que, após reler os nossos textos, deveríamos ter mais cuidado na relação entre democracia e liberdade. Reconheço que por vezes faço colagens abusivas...
Tens o meu apoio na urgência da denúncia das falácias e aporias que rodeiam e constituem a democracia. Talvez nunca tanto como hoje a força e o simbolismo das palavras possam jogar em campos tão diferentes e por vezes contraditórios. Ouvimos falar em liberdade, democracia e “campo do bem” como se tudo isto não necessitasse de explicitações. E ainda mais surpreendidos ficamos quando o “bem” nos parece um “certo mal” e sentimos dificuldades em justificar porquê. Os ortodoxos têm posições fáceis e – por vezes infelizmente – demasiado visíveis e assimiláveis.
Na minha leitura das concepções democráticas americanas pós-11 de Setembro – e talvez para isto necessitasse de conhecer melhor as características do pensamento neo-conservador, o qual nos deveria alertar para a existência de uma estrutura e de uma determinação ideológica que vão muito para além da aparente ingenuidade que muitos gostam de atribuir à administração Bush (se este posicionamento ideológico pode ser considerado como ingénuo em termos histórico-culturais, não o deveria ser em relação à sua força, funcionalidade e estratégia) – o terrorismo funciona como uma dupla justificação: 1) das apetências aglutinadoras (não gosto de usar imperialismo...) e de controlo geo-político, as quais tendem a conduzir a uma maior estabilidade no liberalismo económico que se mascara de neo-conservadorismo – trata-se, no caso do Médio Oriente, de apaziguar um cenário importante da economia mundial; 2) da necessidade dos EUA realizarem uma “guerra preventiva”, ou melhor, saindo um pouco do campo da má retórica, uma guerra “pró-activa”, contra um inimigo que consideram ameaçar a própria segurança dos seus cidadãos e o normal funcionamento das estruturas do país.
De facto, e agradeço-te por me alertares para isto, a justificação da administração Bush não é a da democracia, é a do combate ao terrorismo. Contudo, poderíamos ser tentados a ver por detrás da luta contra o terrorismo uma tentativa de melhorar a democracia, retirando da sua cena os elementos considerados perigosos para a liberdade individual – raramente o terrorismo se torna paranóia colectiva se não for atiçado e relembrado, algo que os EUA são peritos em fazer... Ora não me parece que, fora do contexto simbólico, os americanos reconheçam a necessidade de vislumbrar uma nova forma de democracia por detrás dos seus ataques a países ditos terroristas. Porque, parece-me, não é esta a estrutura do pensamento pragmático neo-conservador. A este não interessa a perfectibilidade da democracia, a complexidade das reconstruções, e daí que ele faça dicotomizações (bem e mal) e use uma lógica de força e choque. Se a democracia funciona como bandeira simbólica é porque não pode funcionar como bandeira concreta. E para compreender isto na sua condição aporética é essencial aquilo que tu dizes, erroneamente assinalando como meu esquema: “No teu esquema, Bush ataca o Iraque em nome da democracia (liberdade), impondo um regime político dissonante das características da sociedade iraquiana. Poderíamos subtrair do seguinte esquema um ataque à liberdade democrática, dado o não-universalismo.” Repito, não é o meu esquema, mas é o esquema simbólico de Bush, não é uma justificação, mas é a bandeira que branqueia e desvia as atenções das justificações, sem contudo se pôr em si própria na discussão.
Tem força simbólica afirmar-se que é preciso dar democracia a um país, mas subtraindo-se a democracia das razões do ataque (a democracia é um símbolo, não uma justificação) retiramo-la também do debate e da discussão, e assim a democracia base americana, o modelo, a intocável, continua sem ser criticada ou repensada. Algo que seria feito se aquela fosse posta no mesmo plano do combate ao terrorismo, onde, por exemplo, se reflectiria sobre a possibilidade dos modelos americanos de democracia e de liberdade poderem eles próprios fomentar os fundamentalismos e os terrorismos.
Tem força simbólica afirmar-se que é preciso dar democracia a um país, e quando as justificações falham, quando as armas de destruição maciça não são encontradas, essa bandeira, sem ser discutida, continua a ser acenada – e daí que para os interesses americanos até seja positiva uma certa instabilidade no território, pois a principal preocupação torna-se assim, não o comprovativo das justificações, mas a atribuição de um governo supostamente democrático, o qual, num outro sentido da palavra, não deixará também de ser simbólico, preenchendo as medidas da ocidentalidade e sendo muito pouco concreto, muito pouco atento à cultura local.
É mau que a democracia e as liberdades políticas sejam postas no plano do simbolismo inócuo e da propaganda.
São estes alguns dos problemas dos signos que carregam um peso cultural muito grande, como o de liberdade, democracia, felicidade, etc. Estão demasiado próximos e demasiado afastados de nós.

terça-feira, outubro 07, 2003

Publico uma parte do longo comentário de FZM:
DA SIMBOLISMO DA LIBERDADE NA DEMOCRACIA. O teu comentario sobre a democracia centra-se sobre a actual actuação do Presidente Bush. Percebo uma causalidade no teu comentario: Bush/America são o simbolo mundial da democracia, sistema politico que simboliza a liberdade, e que para ti, não passa precisamente disso, de um signo que oculta interesses de diversas naturezas; por um lado o expansionismo ameriacno, por outro o universalismo de uma certa concepção de liberade. Em vários pontos estamos de acordo: tanto a América representa a democracia, como Bush representa um sistema democratico norte-americano, e, o sistema democrratica simboliza um tipo de liberdade. Numa coisa estamos em total desacordo: na motivação de Bush para atacar o Iraque. No teu esquema, Bush ataca o Iraque em nome da democracia (liberdade), impondo um regime politico dissonante das caracteristicas da sociedade iraquiana. Poderiamos subtrair do seguinte esquema um ataque a liberdade democratica, dado o não-universalismo.

Ainda sobre a pureza. Referindo-me então concretamente à tecnica desde a pureza: a blogosfera não me surge a mim como negativa nem como "aqui". A blogosfera não tem natureza ontologica, é um objecto. Os objectos estão limitados ao poder do sujeito. Eu envolvo-me na blogosfera mas não sou a blogosfera. Se reconhecermos a linguagem como limitada em relação com a mente é natural que não seja a tecnica a romper esse limite, que é o horizonte do homem. Aqui introduzo outra questão o homem como limitação. A tecnica é precisamente um instrumento desse sujeito, limitado em relação às suas ideias, ao serviço da vontade de poder. Eu nao venho nem vou para o Paraiso mas acredito na possiblidade de o homem, construir (se) neste mundo o seu habit, um lar confortavel. Conclusão: a blogosfera é positiva para o individuo que pretende utilisala para o melhoramento da sua situação; a blogosfera é um objecto, eu existia antes dela e existo para alem dela. Salvaguarda: a relação sujeito-objecto não é estanque, é uma rel

Chegar e encontrar coisas que se recusam a ter um sítio, que se recusam a procurar o local propício à harmonia, de onde seria possível que uma cintilação se libertasse da imobilidade das formas e dissesse: “fecha os olhos, descansa, somos pontos fixos do passado, amanhã seremos apenas coisas”.

sexta-feira, outubro 03, 2003

Anda por aqui mesquita

É bom receber o primeiro comentário! E embora ele traga implícita a distância do tempo e do espaço de quem o escreve, traz também a proximidade de uma amizade. As questões por ele levantadas - e aquelas que ficam no ar - são demasiado pertinentes e incisivas para que possam ser resolvidas num post. Talvez amanhã, espero eu, entre os copos que nos esperam...
No entanto, alguns apontamentos.
É-me difícil discordar da maioria das coisas que referiste, mas quer-me parecer que deste às minhas palavras uma interpretação que eu não daria, o que compreendo, desde logo, pelo facto da linguagem servir a "impureza" da hermenêutica. Não pretendo valorizar ou defender qualquer espécie de pureza para a blogosfera, e muito menos para qualquer outro sistema técnico, político, social, económico, etc.. Se há algo próprio do homem é concerteza a sua dissimulação e perda naquilo que o envolve. Mas implicará isto que não nos preocupemos com a pureza? Eu preocupo-me, pois muito embora eu saiba que não existe pureza, tal facto não invalida que muitos dos nossos discursos e das nossas expectativas convivam nesse ambiente de imaculada alvura. E quando passo do EU para os NOSSOS estou já a entrar numa questão política e social.
Habituamo-nos - e o hábito tem para mim muita importância - a ouvir um Bush falar em espalhar a liberdade pelo mundo, como se esta, de facto, fosse um objecto geométrico que à força de bombas se viesse a encaixar numa dada sociedade. Branqueando todas as questões geo-estratégicas e económicas,
o slogan e a bandeira da liberdade têm algum peso simbólico. Mas o problema para o qual eu ainda não tenho resposta é exactamente o de que a liberdade possa ser considerada como algo simbólico e ao mesmo tempo independente dos sistemas que, de facto, influenciam o mundo - o que pode atribuir à liberdade o papel de uma mera figura retórica. Dizes-me: "É fácil, a liberdade pura não existe, e se o Bush fala nela, fala do seu ponto de vista". Para mim, o seu ponto de vista é o de uma liberdade globalizada e tendencialmente purificável, limpa de incómodos económicos e culturais, os quais somente complicam a simplicidade do mundo.
Talvez mais importante do que discutir a justeza ou a nossa concordância em relação a estas posições seja compreender o facto de que as nossas sociedades têm dificuldade em reconhecer o que está por debaixo das camadas simbólicas. Isto é: reconhecer que por debaixo da bandeira da liberdade estão 1)todas as motivações geo-estratégicas, petrolíferas, militares, etc.; 2) a própria força do símbolo, o qual é extremamente marcante na sociedade norte-americana. Por outras palavras, e talvez exagerando: não há liberdade pura, mas há um povo que, com todas as suas limitações e virtudes, se sente no dever de a procurar. A liberdade serve o branqueamento e tem uma força cultural que, mais ou menos interesseiramente, funciona, ecoando pelos mais diversos cantos do mundo. Cabe-nos a nós, se quisermos, denunciar reiteradamente que esse povo e os seus governantes vivem e/ou criam uma ilusão extremamente perigosa, o que também já entra no campo da ética.
Bem, acabei por me desviar do assunto, pois o que estava no seu centro era a técnica (e a tecnologia) e não a política. Todavia, parece-me que, na questão da pureza, existem muitos pontos de confluência entre ambas.
O meu último post tem dois parágrafos, complementares e contraditórios. O primeiro é um levantamento de barreiras, a libertação. O segundo é a consciência das barreiras, o aprisionamento. Mais uma vez não defendo a necessidade de uma comunicação e liberdade puras ou ideais. Constato que, paradoxalmente, o sistema técnico-social que constitui e rodeia a blogosfera não nos permite dizer que esta possa ser tudo o que quisermos, e muito menos que as relações no seu interior não se devem analisar e criticar quando, pessoalmente, assim o considerarmos necessário. Quando eu defendo que a blogosfera deve ter mais dádiva e menos ciúme é uma interpretação que eu faço do contexto e do possível futuro deste meio de comunicação. Interpretação também ela limitada ao meu contexto.
Imagine-se que, por exemplo, um Pacheco Pereira diria algo de semelhante ao que eu disse. O seu texto teria inevitavelmente mais repercussões do que o meu, e isto porque nos situamos em canais diferentes, com relações e laços muito díspares. Ora não me parece nada negativo fazer uma reflexão sobre essas mesmas relações e a importância que têm neste microcosmos. Daí que não concorde com esta tua frase: "A blogosfera faz parte de um caminho que se vai construindo pelo passo do caminhante. Nem a blogosfera nem a tecnologia tem lições a dar-nos. São um objecto aí, eternamente à nossa espera." Para mim, a blogosfera e a tecnologia não são objectos aí, são objectos aqui, afectando desde sempre aqueles que com elas contactam. Não estão fora, estão dentro, podendo afectar mais do que se pensa o passo do caminhante. Mas ainda aqui concordo contigo: estar fora é a possibilidade de uma maior segurança.
É melhor parar porque isto já está grande de mais e a blogosfera inibe a grandeza.
Continuamos noutra altura porque são mais as dúvidas do que as certezas...

quinta-feira, outubro 02, 2003

Provavelmente será precepitado dizer-se que a blogosfera deva ser algo determinado e ter um espírito comum. Sim.
Provavelmente não haverá comunicação democrática nem liberdade pura quando o que está em causa são aparelhos técnicos que criam - cada vez mais rapidamente - novas formas de nos relacionarmos com a informação, o conhecimento e as pessoas que julgamos (!) existirem por detrás de uma rede de sinais.