levante

textos sem sentido e outros

domingo, abril 16, 2006

os dias

De manhã levantamo-nos.
Erigimos o mundo com os sentidos que tecem as coordenadas da consciência, entre a lisura dos lençóis e a luz refulgente dos domingos: o quarto, o rosto, a casa, a cidade, os rostos. Os dias, supomos, crescem pela inconsciência de crescer, entregues à volúpia dos relógios que sugam o tempo numa eficiência incontornável. Mas há dias que são mais espessos do que outros, dias viscosos que trazem a história colada na sua pele. E com a pele, os sentidos que abraçam a presença e a ausência. E com a história dos sentidos, a memória. E com a memória, a história da humanidade num ponto culminante sempre que cada um de nós se levanta e decide. E com a história, as palavras. E com as palavras, as leis. E com as leis, o desejo que sempre esteve no início de todos os inícios. E com o desejo, a morte e sua ténue vicissitude. E com a morte, a vida e com a vida o tempo e com o tempo os dias que retornam e com os dias os sentidos sempre novos e a pele eamemóriaeahistóriaeasplvraselesdjsomtee

segunda-feira, abril 10, 2006

nina

Há noites em que uma mulher preta irrompe pela casa silente. A sua voz visionária abre brechas no cimento das paredes. Como hoje.
Agora alguém bate palmas, piano de fundo, os escravos reúnem-se para afogar as memórias, o ritmo vem de áfrica, os espíritos também, deus está presente mas por vezes o timbre é pagão e desliza entre a acidez e a doçura, há homens pecadores, mulheres maculadas, o diabo pisca o olho sempre que pode. Entretanto a liberdade corre para o mar como o mississipi ("Oh but this whole country is full of lies, You're all gonna die and die like flies"), para o mar que é o único lugar de liberdade.
Nunca escrevo sobre música. Não o sei fazer. Mas gosto desta mulher preta.

quinta-feira, abril 06, 2006

uma fotografia é

As razões pelas quais uma fotografia pode ser um instrumento essencial para pensar o mundo são simples. Nela se cruzam a verdade e a falsidade, recompostas no jogo modelo, cópia e simulacro. Este modelo, por sua vez, remete-nos para um paradoxo que envolve o tempo e o espaço. O espaço representado é uma duplicação inexacta, é uma recriação de espaços infinitos. O tempo recuperado traz a marca de uma presença para sempre perdida, como uma memória de infância, uma estrada cheia de buracos que percorremos, receosos e plenos de imaginação.
E sempre a relação com um fundo sem fundo em que todas as categorias são desfeitas e onde a vida procura as forças mais intensas.