levante

textos sem sentido e outros

domingo, outubro 09, 2005

chuva e eleições

Há um simbolismo profundo na nossa relação com a água. Este é visível quer nos mitos fundadores da maior parte das religiões, quer nas narrativas e nas práticas sociais quotidianas, que funcionam - ambos, religião e práticas quotidianas - como formas de conferir sentido às nossas acções. A título de exemplo, encontramos bem perto de nós o dilúvio bíblico, o baptismo, os mergulhos de mar do primeiro dia de ano. Em todos eles temos presente uma forma de renovação, fundadora e marcada pela ruptura no caso do dilúvio e do baptismo, cíclica e continuista no caso dos mergulhos. Inevitavelmente, encontramo-nos também na presença de duas formas de conceber o tempo, uma cristã, outra a que chamaria de "pagã".
De qualquer modo, a água tem este simbolismo de renovação, de purificação, de novo começo, de instituição de uma época em que as coisas ganham um novo sentido. É também por isto que a chuva é importante. Inserida num ciclo natural de normalidade – há épocas do ano que lhe são mais próprias – a chuva alimenta a terra e purifica as “almas” (disse-me ontem a senhora do quiosque que, psicologicamente, era bom que chovesse).
Hoje é dia de eleições autárquicas. Num país onde a política fosse vivida de forma séria, estaríamos também num dia de esperança, de expectativas quanto ao futuro dos concelhos. Mas quase tudo – e há sempre saudáveis excepções – se passa de forma rasteira, também a este nível há insondáveis mecanismos de poder que gerem as decisões locais, sejam estes os partidários, os do ego, os da construção civil, os da falta de alternativas, os do olhar do outro que censura de imediato o diferente. Porque ao nível local existe uma comunidade que necessariamente tem a sua cultura própria, será sempre mais difícil introduzir nesta o diferente, o que rompe com o instituído, o que cria alternativas de vida, sobretudo as relacionadas com acções culturais. Não se desenvolvendo estas alternativas, não se desenvolvem também o espírito crítico, as possibilidades de fazer melhor, não se incentiva a produtividade e o risco. Tudo está feito ou determinado, as eleições autárquicas servem para escolher os gestores daquilo que está feito ou determinado. E tudo isto, paradoxalmente, ao nível autáquico (lembremo-nos da origem grega da palavra “autarkheia”, muito próxima de um sentido de autonomia), onde seria possível romper com aquilo que o centro institui, onde seria enriquecedor criar alternativas. Mas, afinal, o centro é todo um país que agoniza perante uma “falta de auto-estima”, como se esta categoria pseudo-afectiva forjada pelo jargão económico nos auxiliasse a compreender melhor os problemas que nos corrompem há já demasiado tempo.
Bem, mas pelo menos hoje está a chover. As hortas precisam de água, os homens precisam de uma renovada esperança.

terça-feira, outubro 04, 2005

um passeio pela cidade

1 - A campanha do Manuel da Luz (PS) tem um dos pontos altos: o comboio turístico do Zézé Camarinha cheio de caras sorridentes e de bandeirinhas, com uma banda filarmónica na último carruagem, passeia-se pelas ruas de Portimão.
2 - Os alunos da Universidade do Algarve circulam com escolta policial. Não, não é um protesto, são as caras pintadas pelos "doutores", são os cânticos celebratórios da pseudo-integração estudantil, é a praxe.

domingo, outubro 02, 2005

área de integração

Avisam-se amigos, amigas e demais interessados que aqui o rapaz vai andar ocupado nos próximos meses. Não com aulas de filosofia, visto os concursos deste ano terem sido bastante selectivos, mas com uma disciplina intitulada área de integração, que faz parte dos currículos do ensino profissional. O programa pretende, "essencialmente, desenvolver a capacidade de integrar conhecimentos de diferentes áreas disciplinares, aproximar estes conhecimentos de experiências de vida dos alunos e aplicá-los a uma melhor compreensão e acção sobre o mundo contemporâneo". Parece agradável! A ver vamos.