levante

textos sem sentido e outros

domingo, fevereiro 26, 2006

agostinho

Na sexta-feira houve uma conferência sobre Agostinho da Silva na Biblioteca Municipal de Portimão. Como ruído de fundo, julgo, um festival de hip-hop no Auditório Municipal, mesmo ali ao lado.
Mas dentro da Biblioteca o silêncio era solene e as pessoas eram atentas.
O conferencista, Paulo Borges, começou pelo "exílio" de Agostinho em Portimão, não se sabe muito bem se na Praia da Rocha se em Ferragudo. "Há que juntar esforços para esclarecer a situação e colocar uma placa comemorativa."
Pelo meio, um esclarecimento das principais linhas de pensamento do filósofo-pedagogo; que as tem, as linhas, mesmo se polémicas e enclausuradas numa dimensão mística e teológica que me causam alguma urticária.
Para terminar, o inesperado e inaudito, como fica bem nos eventos culturais: um pomposo neto de Teixeira-Gomes levanta-se e confessa ter sido aluno do Agostinho, pessoa atenciosa e preocupada com o bem-estar dos outros, que lhe ensinara a ler os livros de seu avô. "E desculpem, deixo o meu cartão mas tenho que ir para Lisboa... Claro que estou interessado em colaborar numa colectânea de depoimentos de antigos alunos do mestre"; que o foi, um mestre na acepção mais complexa da palavra: um mestre da união do pensamento com a vida, da alma com o corpo, da união de tudo aquilo que o homem, ao longo dos séculos e desde que começou a caçar para comer (sic), tem vindo a separar. E foi sobretudo isso que me ficou: essa ideia de um reunião do homem com a natureza, numa espécie de espinosismo saudável e equilibrado.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

a domesticação do mar II

E quando a ondulação não chega com a força prevista, como desta vez, o problema é científico: uma ou várias variáveis não foram tidas em conta. Mas, sem dúvida, nada de misterioso se passou, apenas a falibilidade dos cálculos, dos instrumentos e dos homens. O mar limitou-se a cumprir a sua função.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

a domesticação do mar

Os conhecimentos científicos e os meios técnicos evoluíram de tal forma que, actualmente, é possível saber-se, com algum grau de certeza, quais serão as condições do mar à distância de uma semana. Daí que já todos os interessados saibam que o mar vai subir neste fim-de-semana, podendo as ondas atingir a altura de cinco metros na costa sul algarvia. Além disso, e também com um elevado grau de certeza, é possível prever a velocidade e a frequência da ondulação, a sua direcção, as horas em que estará mais forte, os ventos que a acompanham, o estado do tempo, etc.
Há alguns anos atrás, quando a internet era um conceito distante e os boletins meteorológicos da televisão davam primazia à desenvoltura e empatia dos meteorologistas, as coisas passavam-se de forma bem diferente. Raros eram os dias em que o mar não me surpreendia. Chegado à praia, os meus sentidos apalpavam a costa, numa profusão de sons e cheiros e vagas que invadiam a areia e as rochas. Tudo isto e a adrenalina a treparem pelas paredes do meu corpo. As ondulações apareciam como que de um vazio, carregadas de uma força mágica e telúrica em que água, terra e homens formavam uma massa indistinta, trespassada de energias inesperadas e misteriosas. É claro que havia os indícios: as tempestades nos Açores que demoravam dois dias a chegar; a calmaria do levante que sufocava a pele; as marés vivas de Agosto; a lua cheia; as clássicas gaivotas em terra; o vento sudoeste a soprar forte no final da tarde; o marulhar que se ouvia na varanda pela madrugada dos dias… É claro que havia e há tudo isto, mas algo entretanto está diferente.
A natureza? O que é a Natureza? Uma palavra para dizer os conceitos científicos que pretendem explicar os mecanismos de funcionamento do mundo? Ou uma palavra para dizer o mistério da relação do homem com as forças que o envolvem e que, ora o dominam, ora são por ele dominadas?...