levante

textos sem sentido e outros

sexta-feira, outubro 03, 2003

Anda por aqui mesquita

É bom receber o primeiro comentário! E embora ele traga implícita a distância do tempo e do espaço de quem o escreve, traz também a proximidade de uma amizade. As questões por ele levantadas - e aquelas que ficam no ar - são demasiado pertinentes e incisivas para que possam ser resolvidas num post. Talvez amanhã, espero eu, entre os copos que nos esperam...
No entanto, alguns apontamentos.
É-me difícil discordar da maioria das coisas que referiste, mas quer-me parecer que deste às minhas palavras uma interpretação que eu não daria, o que compreendo, desde logo, pelo facto da linguagem servir a "impureza" da hermenêutica. Não pretendo valorizar ou defender qualquer espécie de pureza para a blogosfera, e muito menos para qualquer outro sistema técnico, político, social, económico, etc.. Se há algo próprio do homem é concerteza a sua dissimulação e perda naquilo que o envolve. Mas implicará isto que não nos preocupemos com a pureza? Eu preocupo-me, pois muito embora eu saiba que não existe pureza, tal facto não invalida que muitos dos nossos discursos e das nossas expectativas convivam nesse ambiente de imaculada alvura. E quando passo do EU para os NOSSOS estou já a entrar numa questão política e social.
Habituamo-nos - e o hábito tem para mim muita importância - a ouvir um Bush falar em espalhar a liberdade pelo mundo, como se esta, de facto, fosse um objecto geométrico que à força de bombas se viesse a encaixar numa dada sociedade. Branqueando todas as questões geo-estratégicas e económicas,
o slogan e a bandeira da liberdade têm algum peso simbólico. Mas o problema para o qual eu ainda não tenho resposta é exactamente o de que a liberdade possa ser considerada como algo simbólico e ao mesmo tempo independente dos sistemas que, de facto, influenciam o mundo - o que pode atribuir à liberdade o papel de uma mera figura retórica. Dizes-me: "É fácil, a liberdade pura não existe, e se o Bush fala nela, fala do seu ponto de vista". Para mim, o seu ponto de vista é o de uma liberdade globalizada e tendencialmente purificável, limpa de incómodos económicos e culturais, os quais somente complicam a simplicidade do mundo.
Talvez mais importante do que discutir a justeza ou a nossa concordância em relação a estas posições seja compreender o facto de que as nossas sociedades têm dificuldade em reconhecer o que está por debaixo das camadas simbólicas. Isto é: reconhecer que por debaixo da bandeira da liberdade estão 1)todas as motivações geo-estratégicas, petrolíferas, militares, etc.; 2) a própria força do símbolo, o qual é extremamente marcante na sociedade norte-americana. Por outras palavras, e talvez exagerando: não há liberdade pura, mas há um povo que, com todas as suas limitações e virtudes, se sente no dever de a procurar. A liberdade serve o branqueamento e tem uma força cultural que, mais ou menos interesseiramente, funciona, ecoando pelos mais diversos cantos do mundo. Cabe-nos a nós, se quisermos, denunciar reiteradamente que esse povo e os seus governantes vivem e/ou criam uma ilusão extremamente perigosa, o que também já entra no campo da ética.
Bem, acabei por me desviar do assunto, pois o que estava no seu centro era a técnica (e a tecnologia) e não a política. Todavia, parece-me que, na questão da pureza, existem muitos pontos de confluência entre ambas.
O meu último post tem dois parágrafos, complementares e contraditórios. O primeiro é um levantamento de barreiras, a libertação. O segundo é a consciência das barreiras, o aprisionamento. Mais uma vez não defendo a necessidade de uma comunicação e liberdade puras ou ideais. Constato que, paradoxalmente, o sistema técnico-social que constitui e rodeia a blogosfera não nos permite dizer que esta possa ser tudo o que quisermos, e muito menos que as relações no seu interior não se devem analisar e criticar quando, pessoalmente, assim o considerarmos necessário. Quando eu defendo que a blogosfera deve ter mais dádiva e menos ciúme é uma interpretação que eu faço do contexto e do possível futuro deste meio de comunicação. Interpretação também ela limitada ao meu contexto.
Imagine-se que, por exemplo, um Pacheco Pereira diria algo de semelhante ao que eu disse. O seu texto teria inevitavelmente mais repercussões do que o meu, e isto porque nos situamos em canais diferentes, com relações e laços muito díspares. Ora não me parece nada negativo fazer uma reflexão sobre essas mesmas relações e a importância que têm neste microcosmos. Daí que não concorde com esta tua frase: "A blogosfera faz parte de um caminho que se vai construindo pelo passo do caminhante. Nem a blogosfera nem a tecnologia tem lições a dar-nos. São um objecto aí, eternamente à nossa espera." Para mim, a blogosfera e a tecnologia não são objectos aí, são objectos aqui, afectando desde sempre aqueles que com elas contactam. Não estão fora, estão dentro, podendo afectar mais do que se pensa o passo do caminhante. Mas ainda aqui concordo contigo: estar fora é a possibilidade de uma maior segurança.
É melhor parar porque isto já está grande de mais e a blogosfera inibe a grandeza.
Continuamos noutra altura porque são mais as dúvidas do que as certezas...