levante

textos sem sentido e outros

terça-feira, janeiro 17, 2006

raquel

E a vida estava ali, nos olhos brilhantes do pai e nos olhos cansados da mãe, a vida com meia-dúzia de horas, tão perto da nascente, vinda de dentro de uma terra quente.
Simples e indefesa.
Fiz uma visita rápida, quase por acaso, levado pela estranha proximidade com que os hospitais arrumam a desgraça e o nascimento, a decadência física e a luminosidade da vida. Neste caso, cerca de um andar.
E encontrei-a nos olhos de um amigo babado. E fiquei com vontade de renascer.

terça-feira, janeiro 10, 2006

os duendes profetas

Não têm mais de metro e meio de altura. Um casal. Rugas profundas num rosto que sorri com complacência e falsa plasticidade. Costas encurvadas, a tender para o chão. Acercam-se do meu momento de espera pela boleia para casa (começo a achar, pela recorrência das situações, que tenho uma postura abordável).
Perguntam se gosto de ler. Digo que sim. A Bíblia? Sim, de novo. Se gostaria de ler uns pequenos textos sobre a Bíblia... (e as mãos gretadas da velha abrem uma mala de pano vermelho e preto, quadriculado, como todas as malas vermelhas e pretas das velhas, desocultando um pequeno maço de revistas).
Aí o meu rosto fecha-se com um sorriso de ternura irónica. Digo não, obrigado.
Pelo sorriso que se fechou no rosto do velho, deu para ver que este me achava demasiado impenetrável. Mas a velha, à frente dele, continua com a sua plasticidade a olhar-me nos olhos como se olhasse para uma montanha a escalar. Não desarmou, compreendeu a minha posição, voltou a insistir.
Aí o meu rosto fecha-se sem sorriso.
Mas o dela não, e insiste uma última vez até que a doçura das suas palavras se transforma em acidez e diz que cada um faz as suas escolhas e fecha a mala e ambos sorriem enquanto andam lentamente pela rua do alto dos seus cento e cinquenta centímetros cheios de certezas e virtudes e rugas e sorrisos e gosta de ler?

quinta-feira, janeiro 05, 2006

al-andalus

E entretanto houve uma viagem pela Andaluzia, onde o levante é também uma presença silenciosa e entranhada na pele dos seres. Foi uma viagem de reconhecimento, de passagens e correrias, de longas e sôfregas caminhadas. Não houve tempo suficiente para sair dos circuitos turísticos e atingir minimamente o âmago da região e das gentes, mas pelo menos deu para ficar com uma visão panorâmica e com vontade de regressar.