levante

textos sem sentido e outros

domingo, maio 06, 2007

manual de utilidade social

1. Acordar.
2. Sair de manhã para passear um canídeo - que por vezes parece um cão - entre o mar e a ria.
3. Enquanto o animal corre, fotografar um pedaço de lama ressequida.
4. Perceber a estupidez e a inutilidade de fotografar um pedaço de lama ressequida só porque o padrão é giro e coiso e tal...
5. Perceber que quase tudo é uma fotografia de lama ressequida: a filosofia, as estéticas, a pancada das imagens, as teses, os textitos, os poeminhas, os "projectos", os blogues mascarados de profundidade e silêncio, a vontade de incomodar o mundo.
6. Sentir um leve deslocamento nos intestinos.
7. Considerar que o deslocamento dos intestinos se deve ao vinho do jantar da noite anterior e não a uma manifestação fisiológica de angústia, porque porra! ainda agora começou o dia e o dia até está bonito.
8. Lembrar-se do título de um dos livros que está na mesa-de-cabeceira, "Moradas Inúteis".
9. Lembrar-se de conversas recentes e relacionar tudo com tudo como quem mexe massa de bolo antes de ir ao forno.
10. Prometer acabar com esta mania estúpida de encontrar ligações onde apenas existe o acaso e a repetição. (Desligar o Leonard Cohen que por acaso apareceu a cantar no media player)
11. Prometer acabar com as metáforas.
12. E já agora aligeirar a ironia.
13. Almoçar com o absurdo entre uma coxa de galinha.
14. Ouvir um familiar, pode ser a mãe, porque hoje até é o seu dia, concluir que de uma forma ou de outra teremos sempre frustrações e que não está determinado que o sentido prático da vida seja a melhor coisa do mundo, mas cada um sabe de si.
15. Agradecer como um bom filho e perceber que o que ela de facto dizia é “Desenmerda-te que 1,85 m é tamanho suficiente para aguentar tempestades!”
16. Desistir de acabar com as metáforas, porque senão isto também não tinha piada.
17. Prometer arranjar uma moça roliça que faça bons assados, que tenha um quociente de insegurança abaixo dos 4.9, que veja todas as novelas da noite e seja capaz de trocar meia-dúzia de palavras antes de adormecer no sofá porque o dia cansativo…
18. Escrever um texto no blog assim a fugir para o rabugento onde pela primeira vez assume que é de si mesmo que fala e não de personagens e vivências imaginadas.
19. Sair com o canídeo para o passeio da tarde.
20. Não levar máquina fotográfica, não pensar.

5 Comments:

  • At 10:46 da tarde, Blogger jcb said…

    Há aqui uma frase que é de Borges. Há quase sempre - num poema, num conto... - uma frase de Borges.

     
  • At 12:31 da tarde, Blogger nrc said…

    Só por causa dessa vou voltar a Borges e procurar. Ele é para mim uma biblioteca infinita, os microespaços cósmicos do Aleph, a memória imaculada, tudo aquilo que os simples mortais não conseguem ser. O que assusta e fascina.

     
  • At 12:27 da manhã, Blogger jcb said…

    Também eu teria que procurar...

     
  • At 12:32 da manhã, Blogger jcb said…

    Gostas de Borges, claro: ele aparece nos textos mais improváveis: vê este - imagina... Não me parece mal...

    http://aseitadefenix.blogspot.com/2004/11/o-aleph-2.html

     
  • At 1:23 da manhã, Blogger nrc said…

    sim, também não me parece nada mal.

     

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