levante

textos sem sentido e outros

quarta-feira, abril 04, 2007

o violador da luz

No fim-de-semana passado conheci um homem cujo principal passatempo é entrar em fotografias. Ele não posa para fotografias, mas muito particularmente entra, irrompe para dentro delas como se violasse a luz que as constrói. Apercebi-me dele no Castelo de São Jorge: colocava-se sistematicamente diante das câmaras dos turistas, ora passava com lentidão por detrás daqueles que posavam para a fotografia, ora encostava-se à muralha que ia passar a paisagem fotográfica. Mas nunca olhava para a câmara. Tudo muito subtil, sem aflições nem usurpações de privacidade. Fez o mesmo comigo, entrou-me em pelo menos três paisagens e dois retratos de família, tirados em momentos muito diferentes. Apercebi-me daquela presença estranha e comecei a persegui-lo, e só então, acompanhando de perto os seus movimentos, compreendi o que andava a fazer. Abordei-o e questionei-o acerca de tão estranho comportamento. Não se mostrou surpreendido, mas muito satisfeito por alguém ter percebido que ele entrava em fotografias. Desde o início do seu passatempo, há três anos, apenas cinco pessoas o haviam descoberto. Explicou-me que gostava de se imaginar nos álbuns e nos ficheiros daqueles que o fotografavam sem dele se aperceberem, e que dessa forma tinha uma existência mais plena. Disse-me: “Já entrei em milhares e milhares de fotografias, estou disseminado nas casas de pessoas que nem sonham que existo, estou presente em todo o mundo, ainda que anónimo. Mas estou lá, existo por detrás dos rostos que lhes são conhecidos, existo nas ruas onde apenas vêem transeuntes. Existo milhares de vezes, e isso dá-me um enorme prazer.”