levante

textos sem sentido e outros

domingo, janeiro 21, 2007

mosteiro

Silêncio. Do fundo dos claustros um ritmo aproxima-se, ecoa, dissolve-se nas sombras, apazigua os espíritos que nunca se souberam inquietos porque nunca se souberam corpos. Os sinos são injecções de silêncio, agulhas de peso que penetram a pele e se abatem sobre as entranhas, desoprimindo o peito assexuado.
Mas há quanto tempo não ouves um sino a percorrer o nevoeiro de uma cidade silente. (O inverno fecha as casas e os seres dentro delas. As igrejas são sítios frios.) Os sinos não fazem questões, não falam sequer. Ecoam pelas almas da rua, emanações neoplatónicas. Deus, a ideia nos píncaros, a transcendência, e depois a queda no mundo, as pequenas realidades duplicadas que escarram no chão, as ruas desviadas onde só as putas esperam qualquer coisa.
Silêncio, que um dia as palavras serão adereços gastos pela usura e tudo será redimido pelos sinos. Ou talvez nada. Ou talvez o dia não chegue.