os velhos e a tarde
Há quem prefira a luz-hora-de-café, na qual a azáfama ligeira da praça tem o brilho intenso do sol vertical. Pois eu prefiro o meio da tarde, quando os velhos saem da sesta, como para um fim de vida, com a simples vontade de preencher os dias. Sentam-se nos bancos e conversam sobre hospitais, mortos e moças novas. Alguns, sozinhos, esperam qualquer coisa que os resgate da monotonia, são os velhos inadaptados, os que atestam a inquietude humana e as quezílias da idade teimosa, são os que dizem "mais vale só do que mal acompanhado", são os que espreitam pelo canto do olho como crianças orgulhosas, tentando perceber os gestos dos outros, tentando demonstrar a sua indiferença, tentando levantar-se com a dignidade de um rei (ainda que os ossos das mãos se enrolem em torno do orgulho e não mais se consigam abrir). Mas a praça é o seu mundo e aquela hora da tarde é todo o seu dia, e por isso há velhos que morrem de rancor, outros há que abrem as mãos.
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