levante

textos sem sentido e outros

terça-feira, agosto 29, 2006

obras V

A habituação aos novos espaços faz-se de forma lenta e progressiva. A visão percorre a geometria da divisões, retirando delas o primeiro impacto (este pode parecer insignificante mas representa no entanto algo de profundo e de enigático: de que forma uma imagem primordial, uma espécie de registo fotográfico momentâneo, pode introduzir-se nos nossos comportamentos e na nossa memória? Penso que todos nós poderíamos encontrar nos nossos arquivos pessoais uma dúzia destas imagens.).
A seguir ao primeiro impacto há como que um apalpar dos locais, experimenta-se o corpo nas diversas posições, averigua-se o peso da luz, escutam-se os ruídos, estuda-se a disposição dos objectos. É a fase do deslumbramento, a fase em que o novo reina sobre os sacrifícios do passado e o suor das noites mal dormidas.
Esta habituação tem algo de renovador, embora surja sempre por contraposição às imagens dos espaços passados. Pelo esquecimento ou pela comparação, as antigas divisões da casa desaparecem ou permanecem. É bom que desapareçam, caso contrário, se aliadas às imagens primordiais, as novas divisões da casa tornar-se-ão fantasmagóricas e imprimirão no quotidiano os gestos e as palavras que conduzem ao desvanecimento da alegria e que contagiam os outros como se de uma doença se tratasse.