levante

textos sem sentido e outros

domingo, agosto 06, 2006

obras II

Numa aula vi-me obrigado a explicar o que são fundamentos. Socorri-me da construção civil e das fundações que suportam as casas. Ora fundamentos e fundações são essenciais na construção, seja de casas ou de pensamentos ou de sentidos. Mas ambos têm tendência para se esconder, desempenhando o seu papel numa surdina que lhes dá uma consistência muito especial. Se fossem expostos, estariam mais vulneráveis e mais facilmente seriam derrubados. Isto é fundamental para perceber que a maioria das nossas justificações racionais assenta numa obscuridade de que nem sempre temos consciência. Nunca expomos o verdadeiro encadeamento dos nossos pensamentos, nunca lhes descobrimos a base, provavelmente nunca estaremos seguros das nossas próprias justificações, pelo menos não tão seguros como o dizer que "a água ferve pois atingiu os 100º".
A racionalidade lógica, que obviamente segue uma matriz de pensamento da evidência e da clareza, tende a expor os seus fundamentos, a que dá nome de axiomas. A racionalidade lógica é fraca porque se expõe na sua nudez, sem com isso conseguir explicar o que é o homem. Outros tipos de racionalidade, mais próximos da vida e do seu devir, não podem senão criar terrenos pantanosos onde os fundamentos se afundam. E desde o fundo desses fundamentos até às paredes interiores em que penduramos os quadros e as fotografias da nossa vida, é tudo uma questão de construção interior, na qual os fundamentos tendem a ser escondidos e por vezes só as paredes são expostas, com toda a sua lógica do gosto e da aparência, com toda a sua superficialidade. Não precisamos de fundamentos para viver, mas eles estão algures a suportar a nossa habitação. E volto sempre a Ruy Belo e ao "problema da habitação".