levante

textos sem sentido e outros

segunda-feira, março 27, 2006

divagação atrasada

Não tenho argumentos para discordar de que todo o movimento contraditório almeja, de alguma forma, a ser reconhecido como certo. Poderia, porventura, refugiar-me num questionamento do critério que utilizamos para definir o que é certo, mas nunca conseguiria sair da armadilha do pensamento contraditório. Continuo a aceitar muito do pensamento de Derrida acerca da linguagem e da forma paradoxal como, simultaneamente, nós a apropriamos e somos por ela apropriados. E sabemos as profundas consequências desta simples constatação... Mas a questão que colocas parece-me tocar num ponto que talvez deva ser esclarecido, o do reconhecimento. Quem reconhece o movimento certo? O autor? O leitor? As convenções? Um estado de coisas a que o movimento se adequa? Mas quem observa o estado de coisas a que o movimento se vai adequar? Um observador neutro?
Não me lembro se alguma vez este tema foi por nós discutido, mas, de facto, o reconhecimento tem todo um carácter existencial que não podemos descurar, sob pena de cairmos na esquizofrenia, numa impossibilidade de acreditarmos que a estrutura linguística onde nos inserimos tem algum contacto com a "realidade". Re-conhecer as palavras que dizemos é uma forma de nos darmos a conhecer (de novo) a nós próprios. Afinal, uma pessoa "com personalidade" é aquela que assume as suas palavras, para si e para os outros.
É por isso que toda a mística conduz ao silêncio. Só assim se torna possível um abandono do Ego, uma desconjuntação do seu edifício. Só assim se torna possível que o transcendente irrompa pelo corpo dos místicos e produza o êxtase - o último grau da esquizofrenia, em que a "realidade" (agora divina) deixa de ser contraditória e se torna plena, porque única, porque massiva e indivisível.