levante

textos sem sentido e outros

domingo, janeiro 25, 2004

Jarros

No Verão eram pequenos, frágeis, parecendo que qualquer chuva mais forte os arrastaria para a morte. Mas a terra é um lençol de fértil calor que acaricia e alimenta os seus filhos. Veio o Outono, veio o Inverno em que começaram a crescer sem receios, voluptuosos, ordenando o jardim de acordo com a sua vontade. A primeira flor surgiu há cerca de um mês, levei-a na memória na viagem de Natal.
Agora, nesta Primavera antecipada, crescem com fulgor, e quase os oiço a crescer, quase os oiço, quando encosto o ouvido às suas folhas brilhantes, a falar da dália moribunda, dos botões da camélia, da parreira podada, dos pardais a debicar a terra. Quase sinto o lento desenrolar das suas flores brancas, de dia para dia, de noite para noite, lentamente, a refulgir sob o sol.
É uma planta banal, dizem-me. Cresce em qualquer lado e sem grandes cuidados. Tem flor bonita mas passageira, volátil como toda a beleza simples. Mas há qualquer coisa naquela forma cónica, há qualquer coisa naquele estame amarelo que parece ser o fluxo de um corpo, penetrando-o, violando-o docemente, há qualquer coisa naquele libidinoso abrir-se ao mundo. Um erotismo, uma marca de corpos ardentes, um desejo que vai crescendo e se acumula num epicentro de calor, como a carne que aquece os corações e o sexo.