levante

textos sem sentido e outros

terça-feira, janeiro 06, 2004

Diário ficcionado de um algarvio longe do levante
22/12


Tempestade de neve.
Fotografo as silhuetas escondidas pelo torvelinho de flocos brancos que se espalham ao redor do hotel. Ainda só consegui tirar fotografias a partir de janelas, com a protecção dos vidros.
É difícil andar na rua. Dói-me a garganta e a neve força a entrada pela gola do casaco. Procuro uma loja onde comprar um cachecol, mas são todos muito caros, não vale a pena. Também procuramos prendas de natal para os sobrinhos finlandeses da Mari. Há lojas mais autênticas, mais tradicionais, outras que já sofrem o excessivo artificialismo do turismo.
Voltamos a encontrar a Tina. No Sushi Bar, antes do regresso à Finlândia, lamento-me de não ter tido tempo de visitar um pouco mais da Estónia, ou pelo menos de Talin. Já me tinham falado dos seus bairros sociais, construídos durante o regime soviético: bairros concêntricos, voltados para dentro, cinzentos, aptos a conservar as pessoas no respeito silencioso das verdades absolutas. “São perigosos”, diz a anfitriã. Diz também que existe actualmente uma primeira Estónia, a dos ricos e/ou bem sucedidos, e uma segunda Estónia, a das dificuldades económicas, das margens e dos bairros sociais. É um país que – e lembro-me agora de Ernest Gellner – sabe na pele o que é a liberdade, porque a desejou durante muito tempo e tem-na há pouco mais de dez anos. Mas o problema aqui, como em tantos outros países do ex-bloco, parece-me ser a associação demasiado apressada entre liberdade e liberalismo económico/capitalismo, situação potenciadora de grandes desequilíbrios e disparidades sociais.
Tempestade na terra, tempestade no mar.
Embarcamos no ferry mais lento, supostamente mais seguro, mas nem sequer este se atreve a enfrentar as difíceis condições que se fazem sentir no Báltico. Esperamos cerca de três horas e só então as luzes do porto se movem, o enorme barco balança um pouco e sabemos estar a navegar.
A irritante música que chega do Karaoke Bar, os rostos esquivos e pálidos.