levante

textos sem sentido e outros

quarta-feira, dezembro 03, 2003

O poder da imaginação

Regresso a casa depois do jantar. O frango soube-me a Coimbra desgastada e a uma lenta melancolia de lugares perdidos.
Antes do jantar tinha assistido ao lançamento do livro O poder da imaginação, livro do prof. Rui Bebiano que, de acordo com o próprio e os restantes entendidos, abre um campo de investigação até agora inexistente em Portugal. Trata, se bem me lembro, da juventude e dos fenómenos (históricos, culturais, sociais...) que com ela se relacionam. Trata de prestar contas a uma juventude que cresceu com o Maio de 68 e com as suas repercussões na sociedade portuguesa. Trata e retrata, suponho, uma experiência pessoal de irreverência, contestação e conhecimento profundo de uma cultura que, estando tão à flor da pele, se sujeita aos acasos da estonteante evolução histórica e social do nosso mundo e do nosso país (que às vezes também faz parte do mundo!). Exercício arriscado e necessário, modelo que deveria ser regra nas universidades.
Mas nenhuma destas constatações, retiradas das avaliações dos comentaristas e amigos presentes, foram a causa da alteração do sabor do meu frango. O que realmente foi interessante, para não utilizar um adjectivo mais lamechas, foi ver que, dentro de alguns dos seus amigos, havia a presença-ausente de um tempo. Para uma geração que viu uma Coimbra empenhada e viva, efervescendo com a luta de rua, de café, de ideias e tudo o mais, deve ser frustrante a forma como as coisas vão correndo actualmente.
Veio da área do teatro o discurso mais caloroso e desiludido. Do prof. José Barata, ex-membro do TEUC. Começou pelo café do TAGV (Teatro Académico de Gil Vicente), local onde se estava a realizar o lançamento do livro, local onde alguns lutaram para evitar reuniões fascistas. Seguiu-se o “caso Mandarim”, café mítico que tive a sorte de visitar numa excursão do secundário, embora sem saber que o bitoque então comido tinha o aroma de uma Coimbra em vias de se dissipar. Assim foi, no meu primeiro ano em Coimbra o Mandarim já tinha fechado. Passados meses era substituído por um esplendoroso McDonalds. Passou-se ainda pelo Tropical, café que frequento com alguma regularidade e que, excluindo algum pseudo-intelectualismo próprio da democratização e mercantilização da intelectualidade, oferece um ambiente agradável aos finos (imperais são mais para o lado do levante), tremoços, alcagoitas e restantes coisas necessárias ao bom uso da razão.
Tudo isto para adornar uma intervenção acerca de uma questão político-teatral mal contada ou omitida no livro. Questão que, pelo menos para mim, acabou ela própria por se tornar o adorno de uma melancolia e de um tempo mal sarado, pressentido no seio de um grupo de pessoas que, tal como tantos outros milhares em Portugal, sabem e vão esquecendo que nem sempre o prato servido tem o sabor prometido.