levante

textos sem sentido e outros

sábado, novembro 22, 2003

Tive 2 semanas para reflectir com o Wittgenstein mas acabei por traí-lo. Aborrece-me um pouco aquela pose do Tratactus, pose de profecta do fim da filosofia, de anjo louco do apocalipse da linguagem. Sei que numa segunda fase ele muda de perspectiva, ou desenvolve ou recua, mas como ainda não chegei lá virei-me para outros lados. Para as fotogénicas folhas vermelhas da minha rua, que alguns amigos sabem já ter dado um poema com caca de cão. São assim as ruas de Coimbra, cheias de merda e beleza.
Entretanto apareceu por lá, desafiando o primeiro dia de cadeados, aquele que alguns (eu ainda me estou a decidir) consideram o maior filósofo vivo do mundo, Jacques Derrida. De segunda a quarta tive uma overdose desconstrutivista - em francês! Mas o que realmente me deu prazer foi ver a importância que o pensamento tem para a nossa interventiva e dinâmica universidade! Foi ver o auditório a abarrotar de gente, os atropelos para tentar compreender o mundo de um ponto de vista filosoficamente contemporâneo (para que o pessoal não se queixe de que o Descartes e o Kant são uns chatos ultrapassados)! Felizmente não houve nenhum problema com os cadeados, abriu-se a porta das traseiras do auditório e tudo correu como previsto, ou seja, calmo para os lados da reflexão e do debate, coisas que exigem escutar e guardar a cadeado as palavras, os conceitos que constroem o nosso mundo. Do lado dos profissionais da filosofia há quem não goste desta corrente do pensamento e por isso não se fez ver, do lado dos estudantes e professores "não filosóficos", salvo raras excepções, não houve qualquer interesse. Há qualquer coisa de errado no meu estômago...
Sim, eu sei que me estou a esquecer da acção, das revoluções, das televisões, dos cadeados de metal, mas também posso ter palavra, não?
Para os interessados penso que seria pertinente referir que o grande mestre de Derrida, Martin Heidegger, esse sim o último grande-pequeno filósofo, disse algo como: "fazer uma experiência é sofrer uma experiência". E este senhor tinha uma interessante concepção de "acontecimento".
O espírito técnico-científico habituou-nos a encarar a experinência somente como algo à disposição de um sujeito, dependendo da vontade deste. Mas há um tipo de experiência mais originária, aquela que surge de surpresa e nos diz a finitude, a existência dos outros, o absurdo, o limite de todas as acções. E não há experiência mais violenta do que a de tomarmos consciência de nós próprios num mundo que sempre nos ultrapassa. Isto, por sua vez, abre-nos a esse mundo com um conjunto de possibilidades infinitas, porque abertas, porque inesgotáveis pela nossa vontade e as nossas experiências singulares.
E o que resta, e o que experimentamos são manifestações do Ser, acontecimentos que recolhemos sob a forma de amor, de corpos apaixonados, de filhos que inventam palavras, de ondas a rolar sob um pastoso levante de agosto, de morte, de poder dar eco a uma palavra. E tudo isto - diz-me tu porque eu sou muito novo - marca e tudo isto afecta e tudo isto acontece como aquilo que realmente importa na vida.