levante

textos sem sentido e outros

segunda-feira, junho 04, 2007

reler, relembrar

"Também a arte dionisíaca nos quer convencer da eterna alegria que está ligada à existência; somente não devemos procurar esta alegria nas aparências, mas atrás das aparências. Devemos reconhecer que tudo quanto nasce deve estar pronto para um doloroso declínio, que somos forçados a mergulhar os nossos olhos no aspecto horrível da existência individual – e no entanto o terror não nos deve gelar: uma consolação metafísica arranca-nos momentaneamente à engrenagem das migrações efémeras. Somos verdadeiramente, por curtos instantes, a própria essência primordial, e sentimos o desejo e a alegria inesperada da existência; a luta, a tortura, o aniquilamento das aparências nos parecem de ora avante como necessárias, em frente da intemperante profusão de inumeráveis formas de vida que se chocam e se comprimem, na presença da fecundidade superabundante da Vontade universal. O aguilhão furioso destes tormentos vem ferir-nos no próprio momento em que nos sentimos, de algum modo, identificados com a imensurável alegria primordial da existência, onde pressentimos, no êxtase dionisíaco, a imutabilidade e a eternidade desta alegria. A despeito da piedade, gozamos a felicidade de viver, não quando indivíduos mas quando confundidos e absolvidos na alegria criadora da vida total, única."

Nietzsche, A Origem da Tragédia, p. 134